segunda-feira, 17 de agosto de 2009

As paisagens perenes de Burle Marx e Villa-Lobos


As efemérides são datas especiais que, em princípio, servem para marcar fatos importantes da história. Etimologicamente, efeméride relaciona-se a efêmero, isto é, algo passageiro, transitório. A comemoração do centenário do artista plástico brasileiro Burle Marx (a 4 de agosto de 2009) não só tem essa característica, como também a sua magnânima obra. Pelo menos é assim que artistas de seu nível são vistos no nosso país, tal qual o maestro Heitor Villa-Lobos. Advindos de um mesmo movimento cultural, o Modernismo, ambos são representantes de uma revolta sobre o que se entendia por arte brasileira até então — um modelo importado e sem originalidade. Todavia, a importância dada a suas obras não é devida, e sua lembrança só ocorre em datas marcantes como essa.

O mercado editorial e televisivo ganha com vendas de livros e programas especiais nesses momentos. Um paliativo na tentativa de inserir no popular algo que já é popular por natureza. Villa-Lobos fazia música dita erudita, mas operava uma música essencialmente folclórica. Composições como Cirandas são revisitações ao cancioneiro do Brasil que resultam em uma complexidade não imaginadas na simplicidade dessas músicas. Sua obra mais famosa, As Bachianas, é inspirada em Johann S. Bach, considerado por Villa-Lobos um grande folclorista da música.

As formas e sons da natureza também são tônica na obra de Villa Lobos, bem como na obra de Burle Marx. Criador de um paisagismo genuinamente brasileiro, o artista rejeitou concepções requentadas da Europa ao adotar curvas sinuosas e contornos orgânicos em suas obras. O jardim brasileiro ganha tom em espécies nativas e espaços convergentes. Na mesma medida, a música de Villa-Lobos transpõe esses traços e refuta uma base européia. Assim como um cronista (nada mais que popular), o maestro registra musicalmente o país que vê e que ouve, caso dos timbres ferroviários em O Trenzinho Caipira e da polirritmia convergente de algumas das supramencionadas Cirandas.


Com exposição no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) e reconhecido em todo o mundo como o maior compositor brasileiro, o paisagista, bem como o maestro, ainda são datas de calendário para maior parte do país que lhes inspirou. Rejeitar modelos consolidados pela importação é o primeiro passo para uma arte de sumo popular que não dá sabor a casca. Buscar uma identidade brasileira é se embrenhar nos complexos biomas do nosso território de manifestações artísticas. A tarefa de Villa-Lobos e Burle Marx foi árdua e o resultado, vultoso, mas o temporário espaço da data comemorativa é inversamente menor ao tempo que levaram para serem reconhecidos grandes artistas brasileiros.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

As chuvas da roseira

Chuva é sempre igual: fisicamente, não passa de água que cai do céu. Mas artistas preferem hipóteses a teses; não crêem que algo como a chuva seja, simplesmente, água que cai do céu. Que o diga Tom Jobim, autor da canção “Chovendo na Roseira”, faixa 13 do álbum “Elis & Tom” (Philips, 1974). Valendo-se de um clássico compasso, Jobim dedilha a viagem da água junto de Elis, que aproveita toda a vocalidade das sílabas. A cantora deve ter inspirado Kevin Mahogany e seu consonantal inglês. Explica-se aí os solfejos do jazzista na sua versão para “Chovendo na Roseira”. Passeando por diversas notas, ora junto do piano, ora junto do saxofone, Mahogany lidera os ataques e a condução de Double Rainbow no álbum homônimo de 1993. Afastadas por alguns anos, as canções contam histórias diferentes de uma mesma chuva.



As peculiaridades de cada versão se mostram a cada técnica usada. Mahogany canta tal qual um líder de big band, muito embora tenha mais suíngue — próprio à sua escola de scat singers, cuja mestra é Ella Fitzgerald. Sua voz de barítono intenta em chefiar os espaços dos acordes, mas a suavidade dá sutileza às camadas Voz e Instrumentos. Assim, a chuva se abre a cada vez que Mahogany sobe e desce o tom. Do baixista ao baterista, toda a banda trabalha em improvisos momentâneos que prescindem um perfil melódico — e muitas vezes ela se perde entre manobras e virtuoses, diminuindo o laço com a música original. A roseira é alvo de gotas suaves e diversas, advindas em boa parte da força do piano de Kenny Barron, livre e insistente a cada virada. Mais solto, ainda que nem tão certeiro e dosado quanto o de Jobim.

De qualquer maneira, são ataques leves que não machucariam uma flor. Toques certamente inspirados, também, na bateria de Paulo Braga, nas cordas de Hélio Delmiro e no teclado de César Camargo Mariano. O trio é parte do quadro de músicos que acompanham Elis e Tom no álbum, arranjado por Aloysio de Oliveira. Em Chovendo na Roseira, Tom Jobim brinca com os pingos de início; faz deles respingos como as pinçadas de Tico-tico; e deságua num riacho de notas, onde as gotas e notas úmidas já não são mais de Luísa, Paulinho ou João; são de ninguém. O perfeito casamento de letra e música formando canção, sempre embalado pela idílica flauta doce, emulada no piano elétrico. O violão em contra-tempo e o tímido baixo são os maiores resquícios — aqui, mais como vícios do início em João Gilberto e no Cool Jazz — da outrora vanguarda Bossa-nova.



A originalidade criada sobre um repertório básico, no caso a valsa em 3 por 4, é tônica não só de Chovendo na Roseira, mas sim de todas as faixas do disco Elis&Tom. Por sua vez, Mahogany podia chover no molhado e prezar por uma releitura fiel em detrimento de uma nova roupagem à canção, mas não o fez. Assim como Tom, percebeu que uma chuva não é uma só para um artista, mas quantas quiser contar, tocar e cantar.

*Crítica escrita para o curso "Crítica e música: uma reflexão sobre as artes da imprensa" e postada com as devidas e pertinentes correções da professora Liliana Bollos.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Festival da Boa Música

É ritmo de festa! Festa em silêncio, pois já basta a sua época de adolescente “badernista” fazendo zona na sala de cinema. A festa é nessas salas, tamanha quantidade de festivais que se projetam por aqui: Panorama Francês, SP Terror, Latino-Americano e o InEdit Brasil, que acabou a 5 de julho aqui em sampa. A cidade já é parte do itinerário de muitos festivais que correm o mundo, mas ainda há o que melhorar em termos de divulgação, expansão do circuito, preços e eventos adjacentes. Que seja: alguém aí já disse que pra começar uma caminhada é preciso o primeiro passo — ainda que não tão preciso.


Mas foi um tiro certeiro trazer o InEdit pra cá. Iniciado em Barcelona, o festival junta a fome com a vontade de comer: cinema e música. Documentários musicais dão a cara nas telas e participam também de competição — como aniversário de loja,“onde quem ganha é você”. Somam-se a esse motivo os feromônios sonoros exalados pelo Brasil e, em especial, por São Paulo e os filmes sobre música e artistas que pululam nos teasers (de Ratos de Porão a Arnaldo Baptista). O tiro foi em cheio, lembrando o logo do Public Enemy, tema do filme cujo subtítulo é Welcome to Terrordome.

O Public Enemy são caras maus. Eles não acreditam na Malu Magalhães nem no Arctic Monkeys. Não acreditam no Bush nem na Guerra do Iraque. Não acreditam no Elvis — e desconfio que nem no Michael Jackson. Mas não são maus por que são niilistas. São maus porque descrêem de tudo isso com argumentos e samples que revolucionaram o hip hop. Isso fica visível com o loop inicial em “Show’em Watcha Got”, tocado logo no início do filme e com a letra de “Don’t Believe the Hype”: um não é a marcação do tempo fria e sem graça, o outro não são palavras regurgitadas, mas um mantra repetido. A revolução do PE, contudo, para por aí. Ainda que ela exista na maioria das canções do grupo, o diretor Robert Patton-Spruill parece ter se esquecido disso na fita. Pouco se fala de como o Public Enemy alçou o rap pra fora dos guetos justamente por entenderem e criticarem o mundo fora dali. Este é o outro alicerce para as mudanças drásticas no gênero, levadas a cabo também por Beastie Boys e por Run DMC.



A sonoridade dessa leva influenciou não só o hip hop, mas o rock e a música eletrônica. Samples dos BB são base em muitas pick-ups. A sonzeira em overdrive do PE ecoou em um dos guitarristas mais originais do fim dos anos 90, Tom Morello, e é impossível dizer que o som do RATM não é fruto direto dessa mistura de rap, rock e outras cositas más. É a marca de Terminator X e toda a banda do PE, inclusive os SW1, os B-boys fardados. Apresentar a banda com depoimentos variados e entrevistar outros músicos com certeza foram o trunfo do filme, que peca por vezes em cortes inexplicáveis e por mostrar apenas um show de Chuck D e companhia, o do SWSX de 2004.

Em favor de uma crueza maior, Welcome to Terrordome é uma fita que não preza pela estética dos detalhes ou pelos planos para delimitar o produto documentário. Segue a mesma linha de outro doc assistido por quem vos escreve: End of the Century. Enquanto o primeiro tem a banda no título, neste acontece o contrário. Explica-se: se para o historiador Eric Hobsbawm o século XX começa em 1914 e termina em 1991, para os Ramones ele começa ali nos anos 50 e acaba em 77, ano da explosão da explosão da banda e do punk rock. Mas é nesse ponto que ele recomeça, como um ciclo, como fruto de uma luta entre classes — pois não era o punk, originalmente, válvula de escape para os proletariados e marginais britânicos? O documentário que conta a trajetória da banda de Joey, Johnny, Dee Dee, Tommy, Marky e CJ traça todo um enredo do movimento criado e criador da banda, bem como de seus reflexos históricos. Não economiza, para isso, em depoimentos e cenas de arquivo.



O ingresso vale só por ver Joe Strummer mencionando os Ramones com o mesmo respeito com o qual Johnny lembra do Clash. É prazeroso saber que, embora separados por um oceano e muitos, muitos acordes, as duas bandas dividiam histórias do underground. E ainda hoje se pergunta (e se responde e se pergunta mais) como um movimento cultural pôde sair dos subúrbios e influenciar inúmeras manifestações, artísticas, não só na música, ou de qualquer outro cunho, tal qual a publicidade, como bem lembra uma atendente do CBGB no filme. O bar é cenário para uma das melhores seqüências do filme: quando os Ramones discutem, sobre o palco, qual música tocar. Dee Dee, que mais lembra um Gil Brother misturado com Sid Vicious, insiste na sua escolha. Joey não quer. Johnny manda calarem a boca. Tommy... bem, Tommy não era essencial pra banda — segundo Johnny e Dee Dee. Entre fucks e shits eles resolvem por tocar Blitzkrieg Bop.

As imagens antigas e as diversas entrevistas dão um panorama cronológico da banda, e a montagem consegue transmitir o tempo sem tornar-se maçante. A sucessão de acontecimentos não é apenas fator contextual: está presente ali a figura de um Joey inibido e retraído em seus um metro e tantos de estranheza; um Johnny carrancudo, que não sorri para manter a aparência de manager; um Dee Dee debochado e vítima do seu próprio deboche; um Marky agradecido e Ramone até hoje. Uma banda que iniciou uma nova era na música, em que a vontade de fazer supera o saber fazer, e que foi capaz (talvez isso seja o mais difícil) de se reconhecer como precursora deste novo tempo. Sem impado, Dee Dee agradece a si próprio pela placa dos Ramones na Rock and Roll Hall of Fame. Com certeza não os únicos, mas sim os maiores culpados por suas poucas notas, cabelos de tigela e jaquetas de couro.

A música agradece aos Ramones e ao Public Enemy. O cinema agradece a música, agora não pelas trilhas ou sonoplastia, mas pelos temas. E São Paulo diz obrigado a todo mundo, porque o cinema está em festa (no lineup, o InEdit, claro) e o importante é fazer uma social.

terça-feira, 14 de abril de 2009

MTV, Get off the air (mas deixa a Bis e meu texto lá!)


"E é por isso que topei fazer um site no portal da MTV, e por isso que contratei a pessoa inteligente mais jovem que encontrei para me ajudar, e por isso o Bis é um site colaborativo, não um blog pessoal. O Bis é para fazer coisas que a MTV não faz - ainda. Abrir geral para quem tiver algo a dizer. Falar de música, sim, mas usar a música para falar do que interessa, da vida, da alma, da rua, da morte. Com texto, mas com som, com foto, com vídeo, com arte, feito por qualquer um, pela multidão."
e foi pra Bis o meu texto do Soil & Pimp postado há alguns dias aqui!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Deixe a melanina fluir. Deixa cair. Deixa balançar.

O título que coroa o post é inspirado na frase de um amigo com grandes aspirações de escritor. O rapaz tem aspirações a pé-de-valsa também. Ao som de Clube do Balanço, aliás, só não é quem não quer. Que digam as pessoas sambalançando na comportada sala do Itaú Cultural. Foi a cena do show do primeiro domingo do mês de abril, fim da micro-turnê da banda que destila balanço e o melhor da música negra pelo Brasil há um bom tempo. Do passado a maior lembrança foi Simonal, trazido ao palco por interprétes como Tereza Gama e a cria do genial rei do suíngue, Simoninha.

A chuva da outrora cidade da garoa quase afastou a galera que ia pro show. Não foi o caso, do contrário não haveria três sessões, uma seguida da outra. Todas foram abertas pelo DJ Gran Master Ney e pela Equipe Soft Fest, que aqueceram a galera com soul e funk, de James Brown a The JB’s. Cada um carrega anos e bailes com milhares de pessoas nas costas. Festas R&B e Samba Rock eram eventos grandiosos no fim dos anos 80: lotavam clubes esportivos com gente vestida na estica e soundsystem amplificadíssimos. “Um tempo bom, que não volta nunca mais”, mas nem por isso não pode ser lembrado — ou revisitado, como tem sido feito.



Também são responsáveis por isso bandas como Os Opalas, Farufyno e o próprio Clube do Balanço. Subindo ao palco ao som de Zula, o vocalista e guitarrista Marco Matolli já faz todo mundo sócio do Clube. O percussionista Fred Prince vem na marcação cadenciada do samba enquanto o batera Edu Peixe varia nos ataques a seus pratos. A metaleira só favorece ao balanço. O tom fica mais suave com A Sereia e o Marujo, mas a interpréte Tereza Gama faz questão de não deixar a peteca cair com seu vozerrão que sai fácil, fácil. Com a Equipe de dança do Moskito estaria mais do que feito o baile senão fosse a falta de um convidado de honra.

Simoninha que me perdoe, mas o convite mais célebre foi o de Simonal. A começar por “Vem Balançar”. Encantada por Elis e Simona, a canção é a receita de um arranjo imponente de sambajazz. Pro samba-rock, o Clube somou o trompete de Reginaldo 16 e o trombone de Tiquinho, mas perdeu muito enquanto subtraia a virtuose do piano e da bateria — no original, provavelmente, do Zimbo Trio ou Som3. Chegando Simoninha, Simonal está mais no palco do que nunca. Talvez na figura de Simoninha (é inevitável não juntar um no outro, ainda mais com trejeitos, o dar de ombros, o “deixa cair”), mas principalmente no seu melhor: a música.



Atualmente, o legado de Wilson Simonal é pouco conhecido pelo grande público. Aquele que chegou a ser um dos maiores (senão o maior) cantor do Brasil quase nunca é lembrado por sua herança à música brasileira: divisões harmônicas, voz melódica, arranjos orquestrados, etc. O presente dado por Simonal e pelos músicos que o acompanharam ao cancioneiro brasileiro foi em muito condenado ao ostracismo, tal qual ele mesmo — vítima de um “pessoa errada na hora errada no lugar errado”. Para o bem dos ouvidos, o rei da pilantragem e de muito mais tem sido relembrado ultimamente, junto dessa retomada dos bailes e da música negra autentica brasileira.

Assim, além de “Vem Balançar”, Clube, Tereza e Simoninha ainda interpretaram a brincalhona “Galha do Cajueiro” e o lado-B “Colecionador de Amigos”. O set list ainda contou com “Paz e Arroz” e “Balanço”. O espetáculo de dança do Moskito e o espetáculo da sua parceira são outros detalhes que deve ser lembrado. No mais, é só balanço.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ouvindo Frenético

O autor do crime, dessa vez, foi um amigo. A título de proteção não revelo o nome, embora por amizade eu tendesse a revelar. O fato foi que começou com uma frase, "to viciado nessa porra". Quando escuto isso já imagino as cenas. Em todas eu tenho curiosidade — e inevitável. Até perguntar ou experimentar, contudo, há dezenas de passos. Dessa vez eu corri com os dedos e logo perguntei, "qualé a boa?". Ele me passa um link e a merda está feita. Viciei. Sou suscetível demais quando a coisa é boa. Acertei na pergunta e na suscetibilidade. A bola da vez é Soil & "Pimp" Sessions.


Um bando de japoneses (e eu te devolvo a pergunta, Tas: para bem ou para o mal, que água eles bebem?) que se bandearam pro free jazz numa pancada só. Arrisco duas palavras: Freenetic Jazz. Veja bem, não é um rótulo, como Nu Jazz. Pra uma trupe de Tóquio que se conheceu em baladas, tem influências latinas e contam no quadro de integrantes com um agitador, isto é, diferente de vocalista, um rótulo é no máximo um detalhe nas suas roupas extravagantes — de fazer inveja ao Também Sou Hype.

Soil & "Pimp" Sessions já espanta pelo nome. Só consigo enxergar algum significado para Sessions. As canções pairam numa intuitividade que fica entre o aleatório e o caótico. Um, por sabermos as forças que impulsionam os improvisos, advindos de marcações de tempo perdidas no espaço (ou na tempestade, vide Storm); o outro, por nem imaginarmos onde tudo aquilo vai dar, como em Fantastic Planet, que bate num consistente hard bop de Nova Orleãs até cair numa boate em alguma ilha do caribe, tocando salsa ou rumba.


No caso do álbum Planet Pimp, a produção teve o trunfo de usar dosadamente efeitos eletrônicos, como se pode ouvir em Go Next! e The World Is Filled by... . A precaução afasta as canções de um fusion forçado ou ultrapassado. É apenas mais um artifício pra empolgação dos japoneses. Nessa loucura, por vezes eles mesmos se perdem: os arranjos quebram a harmonia ou ocorre tal grandiloquência que vira gritaria. E na hora da calmaria — a última faixa, Sorrow — não fazem mais do que um lounge bem xôxo.

O que interessa é que já carrego no bolso e parei de usar escondido. Não obstante, tô falando pra todo mundo aqui. Escute no último volume, mas depois não deixe sua mãe pensar que foi influência minha.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Maré punk

Não é de hoje que o espírito DIY toma conta dos dedos, mãos, recortes e aspirações das pessoas. A juventude, que sempre desponta e descobre as vanguardas, é o expoente do faça-você-mesmo desde o punk. Foi lá nos idos de 70 que, separados pelo Atlântico, jovens novaiorquinos pós-hippie-folk-rajneesh e a garotada londrina filha do operariado fizeram transgressão com as próprias mãos. Uns no CBGBs, outros na lojinha do Malcom Mclarem, cada qual com suas roupas rasgadas e cortes malfeitos; espetos e furos por todo o corpo; cabelos espalhafatosos. Mas a essa época ainda havia um mar de distância, felizmente ultrapassado por Ramones e Clash.

À esses anos, o mundo já era grande, embora a Terra desse sinais de ficar cada vez menor: a primeira transmissão de guerra pela TV (Vietnã), o primeiro homem a pisar na Lua, a bipolaridade EUA-URSS. Vêm a new wave, o Dead Kennedys, os quadrinhos do Watchmen, a Legião Urbana, a Perestroika, Collor, Nirvana e Clinton. Permeando os anos, tal qual uma costura rota, o espírito punk: fanzines, posters, hardcore, grunge, eletrônico. Daí pra frente começa-se a falar de internet — começa-se a falar na internet.

A rede não criou a roda ou a roca do DIY. Sequer as potencializou. A internet ofereceu possibilidades. Abre-se um rizoma para o punk. Para ser punk, não precisa ser punk. Se Heidegger vivesse, diria: a essência do punk, não é o punk. Fazer por conta própria nada tem a ver com niilismo ou negação ao sistema. As jaquetas fedorentas dos Pistols ainda precisavam da cena proletária, aquela com resquício na mulher trabalhando 18h por dia numa grande tecelã. A única indústria contra a qual se opõe a essência punk, isto é, o DIY, é a indústria cultural. Entenda-se ela como algo bem maior que uma fábrica da Coca Cola com seus publicitários e CEOs meio homens meio suínos.

Indústria cultural, em suma, é algo que nunca sai de moda e nunca sai da moda. Se antes da web ela tinha um poder televisivo e global, agora anda penando para surtir os mesmos efeitos de antes. Como adversário, ele o espírito punk, a essência do faça-você-mesmo, que pelos becos da rede encontrou em nichos e pequenos grupos seus fiéis escudeitos. Em frente ao pc pode-se aprender a pilotar um avião ou a fazer coisas mais nobres.

Ser punk nos novos tempos significa:

Fazer camisetas, ou tê-las sempre personalizadas:








Ter blog ou qualquer espaço para se expressar verbalmente: twitter, foruns, wiki variáveis.

Fazer música lo-fi e usar uma tecnologia tão fácil quanto e muito mais avançada para divulga-la: myspace, purevolume, trama.

Recortar, colar e dobrar muito mais que roupa ou papel: Girl Talk e Kutiman.



Ouvir Ramones na propaganda da Coca e The Clash em propaganda de telefonia: